S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja
Santo Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354. A sua mãe, Santa Mónica, educou-o cristãmente. As suas qualidades intelectuais depressa se revelaram, apontando para um futuro brilhante como mestre de retórica. Apesar de tudo, enveredou por uma vida dissoluta. Mas não se apagou nele a sede nem a ânsia da verdade. Leu o Hortêncio, de Cícero, e a Sagrada Escritura. Não se entusiasmou e acabou por aderir ao racionalismo e ao materialismo dos Maniqueus. Rumando à Itália, conheceu o bispo Santo Ambrósio de Milão. Reviu as suas posições acerca da Igreja Católica, voltou a ler a Bíblia e abriu-se definitivamente à luz e à riqueza de Cristo. Batizado em 387, regressou a África e fundou a sua primeira comunidade monástica em Tagaste, organizando-a segundo o modelo das comunidades de que nos falam os Atos dos Apóstolos. Em 391 foi ordenado sacerdote pelo bispo Valério, a quem sucedeu no governo da diocese de Hipona, no ano 395. Transferiu a sua comunidade para a casa episcopal, e dedicou-se ao ministério da Palavra e à defesa da fé. Escreveu mais de duzentos livros, e quase um milhar de sermões e cartas. Morreu a 28 de Agosto de 430. S. Agostinho é um dos padroeiros da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos.
Lectio
Primeira leitura: 1 João 4, 7-16
Caríssimos: Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. 8Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. 9E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. 10É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. 11Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros. 12A Deus nunca ninguém o viu; se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição em nós. 13Damos conta de que permanecemos nele, e Ele em nós, por nos ter feito participar do seu Espírito. 14Nós o contemplámos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. 15Quem confessar que Jesus Cristo é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus.
“Deus é amor”. Por isso, mais do que procurá-lo com os olhos ou a mente, há que procurá-lo com o coração. Além disso, só os puros de coração verão a Deus (cf. Mt 5, 8). Se queremos ver a Deus, também com os nossos olhos, há que purificá-los, afastando as imperfeições que nos impedem ver a Deus. “Deus é amor”. Que rosto, forma, estatura, pés, mãos, tem o amor? Não sabemos dizê-lo. Mas dispomos de pés para ir à Igreja, de mãos para fazer o bem, os olhos para ver os necessitados. O campo para exercer o amor é a caridade fraterna. Podemos dizer que não vemos a Deus; mas não podemos dizer que não vemos os homens. Se amamos os irmãos, veremos a Deus, porque veremos a própria caridade, e Deus habita na caridade.(Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário a 1 Jo 9, 1; VII, 10; v. 7).
Evangelho: Mateus 13, 8-12
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Não vos deixeis tratar por ‘mestres’, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis ‘Pai’, porque um só é o vosso ‘Pai’: aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por ‘doutores’, porque um só é o vosso ‘Doutor’: Cristo. 11O maior de entre vós será o vosso servo.12Quem se exaltar será humilhado e quem se humilhar será exaltado.
O amor precede a observância dos mandamentos. A amor é a causa geradora da observância dos mandamentos. Não se trata só de nos amarmos uns aos outros, mas também de amar a Deus. Se o amor é a plenitude da lei (cf. Rm 13, 10), onde há caridade nada mais pode haver. Pelo contrário, onde não há caridade, nada nos pode valer. O diabo acredita mas não ama; mas quem ama não pode deixar de acreditar. Só amando a Deus podemos amar a nós mesmos e aos outros como a nós mesmos. Havemos de amar a todos para que Deus seja tudo em todos. (Comentário inspirado em S. Agostinho; cf. Comentário ao Ev. de João LXXX, 2,3; LXXXII, 2).
Meditatio
Santo Agostinho é uma verdadeira parábola de amor apaixonado. A inquietação do coração, a saudade, o desejo, que o enchem interiormente, manifestam-se na procura incansável da verdade e do amor, num clima de oração permanente. Agostinho procura a sua própria identidade, a semelhança divina. Abre completamente a Deus o seu passado, o seu presente e o seu futuro, na certeza de que só Deus é capaz de vencer as suas resistências, medos, fraquezas humanas e saciar a sua sede.
“Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Ti” (Confissões 1, 1). À luz da verdade reencontrada, Agostinho vê claramente o seu pecado e a necessidade da graça, da intervenção divina, e dá-se conta da orgulhosa pretensão do seu eu. Mas tudo acontece, agora, no centro do seu perene diálogo com Deus. Foi Deus quem o despertou, porque o ama. Esta certeza é para Agostinho garantia de que a graça de Cristo vencerá o seu pecado. Será restaurado nele “a ordem do amor” e, com essa restauração, poderá experimentar a bem-aventurança da paz e da liberdade sem fim. “Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez… Tocaste-me e agora desejo ardentemente a paz” (Confissões, 10, 27).
Oratio
Senhor, eu amo-te. Trespassaste o meu coração com a tua palavra e desde então amei-te. O céu e a terra dizem-me que devo amar-te e não cessam de o dizer a todos. Quando te amo, não amo uma beleza corporal, uma graça passageira, a claridade de uma luz amável, os sons de uma qualquer melodia, o perfume de flores, de unguentos ou aromas, do maná ou do mel, ou membros que se entregam ao abraço: nada disso amo quando amo o meu Deus. E todavia amo uma certa luz, uma certa voz, um certo perfume e alimento e amplexo quando amo o meu Deus, luz, voz, perfume, alimento, amplexo do meu homem interior, onde brilha na minha alma aquilo que nada contém… É isso que amo, quando amo o meu Deus” (inspirado em Santo Agostinho, Confissões X, 6.8).
Contemplatio
Santo Agostinho não conheceu o símbolo do Coração de Jesus saído do seu lado para significar o seu amor, mas em todo o resto pode chamar-se um santo do Sagrado Coração. Ninguém falou melhor do lado de Jesus aberto pela lança para daí deixar escapar o sangue e a água, símbolo dos sacramentos e da Igreja. Viu nas chagas de Jesus um refúgio para a nossa alma. As belas invocações da oração Anima Christi são tiradas das suas efusões de amor para com o Salvador: «Água do lado de Jesus, dizia, purificai-me. – Jesus, escondei-me nas vossas chagas». Quem melhor do que ele cantou o amor de Deus? - «Ó Deus, dizia, é possível a alguém saber que sois Deus e que vos não ame? – Ó beleza sempre antiga e sempre nova, tarde vos conheci, tarde vos amei! – Fizestes-nos para vós, Senhor, e o nosso coração está sempre agitado, enquanto não repousa em vós». A regra composta por ele para a sua ordem religiosa foi justamente chamada a regra de amor. Ela respeita o mais puro amor de Deus e do próximo. (Leão Dehon, OSP 2, pp. 311-312).
Actio
Repete muitas vezes e vive hoje a palavra:
“Ama e faz o que queres” (S. Agostinho, Comentário a 1 Jo VII, 8).
----
S. Agostinho, Bispo e Doutor da Igreja (28 Agosto)
Tempo Comum – Anos Ímpares – XXI Semana – Segunda-feira
Tempo Comum – Anos Ímpares – XXI Semana – Segunda-feira
Lectio
Primeira leitura: 1 Tessalonicenses 1, 1-5.8b-10
Paulo, Silvano e Timóteo à igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo, que está em Tessalónica. A vós, graça e paz. 2Damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem cessar nas nossas orações; 3a vosso respeito, guardamos na memória a actividade da fé, o esforço da caridade e a constância da esperança, que vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus e nosso Pai, 4conhecendo bem, irmãos amados de Deus, a vossa eleição, 5pois o nosso Evangelho não se apresentou a vós apenas como uma simples palavra, mas também com poder e com muito êxito pela acção do Espírito Santo; vós sabeis como estivemos entre vós para vosso bem. 8bPor toda a parte se propagou a fama da vossa fé em Deus, de tal modo que não temos necessidade de falar disso. 9De facto, são eles próprios que contam o acolhimento que vós nos fizestes e como vos convertestes dos ídolos a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro 10e para aguardardes do Céu o seu Filho, que Ele ressuscitou de entre os mortos, Jesus, que nos livra da ira que está para vir.
A primeira carta aos Tessalonicenses é a mais antiga das cartas atribuídas, com certeza, a Paulo. O Apóstolo começa por manifestar a sua alegria por poder reatar as suas relações com a comunidade de Tessalónica (1, 2-3-3, 13) e defende-se das más interpretações que alguns fizeram da sua saída repentina (2, 1-12.17-20). Mas este texto bíblico, que a liturgia nos fará ler nos próximos dias, de modo quase contínuo, é um testemunho essencial daquilo que fundamenta a nossa fé.
Paulo encoraja, elogia, agradece; por vezes, repreende e chama à observância dos princípios fundamentais da fé em Cristo. Mas todo o texto está cheio da expectativa da vinda de Cristo na glória. Paulo baseia a sua fé na experiência do Espírito, comunicada através da pregação evangélica. A argumentação central do texto que hoje escutamos confirma o que dissemos. O anúncio do Evangelho, feito por Paulo deu aos Tessalonicenses, é a prova da presença e da acção do Espírito de Jesus ressuscitado. Essa presença e acção manifestaram-se nos prodígios e sinais miraculosos, e na «profunda convicção», ou seja, na plenitude de fé em Cristo com que Paulo falou e agiu. Esta fé, que une Paulo e os destinatários da carta, é objecto de «constante esperança», que pode orientar o compromisso quotidiano na comunidade, tanto o do Apóstolo, como o dos Tessalonicenses. A origem e o motor de tudo isto é o amor de Deus, amor de «eleição» (v. 4), e, portanto, livre e gratuito.
Evangelho: Mateus 23, 13-22
Naquele tempo, disse Jesus: 13Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino do Céu! Nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer. 14Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que devorais as casas das viúvas, com o pretexto de prolongadas orações! Por isso, sereis mais rigorosamente julgados. 15Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes seguro, fazeis dele um filho do inferno, duas vezes pior do que vós! 16Ai de vós, guias cegos, que dizeis: ‘Se alguém jura pelo santuário, isso não tem importância; mas, se jura pelo ouro do santuário, fica sujeito ao juramento.’ 17Insensatos e cegos! Que é o que vale mais? O ouro ou o santuário, que tornou o ouro sagrado? 18Dizeis ainda: ‘Se alguém jura pelo altar, isso não tem importância; mas, se jura pela oferta que está sobre o altar, fica sujeito ao juramento.’ 19Cegos! Qual é o que vale mais? A oferta ou o altar, que torna sagrada a oferta? 20Portanto, jurar pelo altar é o mesmo que jurar por ele e por tudo o que está sobre ele; 21jurar pelo santuário é jurar por ele e por aquele que nele habita; 22jurar pelo Céu é jurar pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado.
Jesus prossegue as denúncias contra os escribas e fariseus. Embora fossem representantes oficiais da religiosidade, tinham-se convertido em sério obstáculo para a fé. Por isso, Aquele que se definiu como «manso e humilde de coração», que se comove diante do sofrimento dos outros, que é afável com os pecadores, terno com os pobres e pequenos, que chora pensando na destruição de Jerusalém, condena agora, em tom severo, a hipocrisia religiosa dos fariseus. Os «Ai de vós», na linguagem profética, exprimem uma ameaça de castigo e de juízo, mas também a dor de quem deve falar por causa do mal deplorável.
Um dos «Ai de vós» dirige-se aos escribas e fariseus que, recusando Jesus e a sua mensagem, também impedem outros de entrar no Reino. O segundo «Ai de vós» dirige-se contra o proselitismo dos judeus, que apenas visa subtrair pessoas à salvação, para as tornar fechadas, rígidas, fanáticas e perigosas como eles, e mais do que eles. O terceiro «Ai de vós» dirige-se aos «guias cegos» que, com as subtilezas da sua casuística, obscurecem o sentido profundo da lei. Invertem a hierarquia de valores: o ouro vale mais que o templo, e a oferta mais que o altar. Falta-lhes o discernimento e a interioridade.
Meditatio
Paulo inicia a sua primeira carta aos Tessalonicenses com uma acção de graças a Deus por essa comunidade e por poder reatar relações, precipitadamente interrompidas com ela, quando teve de deixar a cidade por causa da reacção dos judeus à sua pregação: «Damos continuamente graças a Deus por todos vós» (v. 2). Esta acção de graças inicial dá o tom a toda a carta e demonstra-nos que, tudo quanto Paulo diz, é por ele considerado dom de Deus. O Apóstolo dá graças a Deus pelo empenho dos Tessalonicenses na fé, pelo seu compromisso na caridade, pela sua constância na esperança. São obras dos Tessalonicenses, mas, em última análise, são obra de Deus neles. A fé, a esperança e a caridade não são, em primeiro lugar, realizações humanas, mas “virtudes infusas”, ou seja, dons de Deus, que nos põem em relação pessoal com Ele, embora não o mereçamos. Se os Tessalonicenses são generosos na vivência dessas virtudes, essa generosidade deve atribuir-se, acima de tudo, a Deus. É essa actuação de Deus, na comunidade de Tessalónica, que provoca a alegria de Paulo, e a sua acção de graças. O mesmo se diga da fecundidade apostólica do seu ministério. O Apóstolo não atribui a si mesmo o êxito obtido. Atribui-o a Deus: «O nosso Evangelho não se apresentou a vós apenas como uma simples palavra, mas também com poder e com muito êxito pela acção do Espírito Santo» (v. 5), escreve. É
; a acção divina que torna fecundo o ministério do Apóstolo.
Que efeito poderia ter esta atitude de Paulo entre os Tessalonicenses? Certamente que também os levava à mesma atitude, isto é, a dar graças a Deus, a reconhecer que tudo é dom de Deus, que a vida cristã é um contínuo receber do amor de Deus, que é justo dar-lhe graças, ter para com Ele um amor reconhecido. Por outro lado, vendo o Apóstolo dar graças, sentiam o afecto de Paulo e sentiam-no não só como ligação entre eles e Paulo, mas como uma relação entre Deus, Paulo e eles mesmos. Uma relação a três!
Como é a nossa oração? Como rezamos os nossos irmãos e as relações que existem entre nós? Damos graças a Deus pelas pessoas com quem mantemos relações de amizade, de serviço, de vizinhança? Damos graças a Deus por todos os dons e graças que elas recebem?
Não nos limitemos a pedir para os outros saúde, sucesso, santificação. Demos graças ao Senhor por tudo quanto faz neles, por tudo quanto lhes dá, pelas graças que recebem. Então, a nossa relação será mais profunda e bela, porque será fundada sobre o amor reconhecido a Deus, nosso Pai.
Oratio
Pai santo, Tu não és um deus que se limita a separar, a catalogar, a classificar, como pretendia a religião formulada pelos fariseus e escribas. O dom do teu Filho Jesus Cristo subverteu todas as suas razoáveis previsões, porque Ele escolheu pôr-se do nosso lado, a ponto de se fazer uma só coisa connosco, assumindo a fraqueza da nossa carne. É esta a novidade de vida proclamada pelos autênticos discípulos, pelos verdadeiros missionários de Cristo. É este o caminho para o Reino, que os «guias cegos» queriam barrar, caminho de conversão, que é fruto do Espírito do Ressuscitado.
Bendito és Tu, Pai, Deus vivo e verdadeiro. A Ti o louvor, pelos séculos. Amen.
Contemplatio
Jesus oferece também o sacrifício da acção de graças. Sente profundamente no seu coração tudo o que deve de reconhecimento ao seu Pai, pelas graças recebidas na sua humanidade. A própria existência é um dom de Deus, uma participação no ser divino. Mas a união hipostática é um dom infinitamente superior. A humanidade de Cristo é assim toda deificada e os seus actos tornam-se os actos de um Deus. Cristo recebeu também graças santificantes que ultrapassam todas aquelas que podem receber todas as criaturas juntas. Gozou também, desde a sua incarnação, da visão beatífica, da clara visão de Deus e das suas obras. Quantas graças reunidas! Como é que Cristo há-de agradecer ao seu Pai? Os seus aniquilamentos exprimem o seu reconhecimento bem como a sua adoração. A alma que recebe uma graça insigne entra numa espécie de confusão e, sob o olhar daquele que se digna honrá-la assim, prostra-se, abisma-se, quereria testemunhar o que experimenta de gratidão por uma espécie de aniquilamento de si mesma. É o que sente a alma da nossa vítima divina, de tal modo que a sua acção de graças teve toda a profundidade da sua adoração. Estende-se assim a tudo o que a liberalidade, a ternura, a providência, a misericórdia da Santíssima Trindade espalhou de bens sobre todas as criaturas. (Leão Dehon, OSP 3, p. 124).
Actio
Repete frequentemente e vive hoje a Palavra:
«Senhor, Tu és o Deus vivo e verdadeiro» (cf. 1 Ts 1, 9).