segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Liturgia do dia 20/08/2017

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Leituras
Ap 11,19a; 12,1-6a.10ab
Sl 44(45),10bc.11.12ab.16 (R. 10b)
1Cor 15,20-26.28
Lc 1,39-56

Assunção de Nossa Senhora - Solenidade

Domingo

Primeira Leitura:  Ap 11,19a; 12,1-6a.10ab

19a E o templo de Deus no céu se abriu. A arca da sua aliança apareceu no seu templo. 12,1 Em seguida, um grande sinal apareceu no céu: uma mulher revestida de sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. 2 Ela estava grávida e gritava de dores, aflita para dar à luz. 3 E apareceu um outro sinal no céu: um grande dragão vermelho, com sete cabeças e dez chifres, e nas cabeças sete diademas. 4 A sua cauda arrastou uma terça parte das estrelas do céu e as atirou à terra. E o dragão parou diante da mulher que estava para dar à luz, querendo devorar seu filho, tão logo desse à luz. 5 E ela deu à luz o filho, um menino, que tinha sido destinado a governar todas as nações com cetro de ferro. Mas seu filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. 6 Então, a mulher fugiu para o deserto, onde tinha um lugar preparado por Deus. 10ab E eu ouvi no céu uma forte voz que dizia: “Agora, a salvação, o poder e o reino são do nosso Deus e a força é do seu Ungido.
Salmo: Sl 44(45),10bc.11.12ab.16 (R. 10b)

R. Toda em ouro de Ofir chega a Princesa, põe-se à tua direita: eis a Rainha!

10 Toda em ouro de Ofir chega a Princesa, põe-se à tua direita: eis a Rainha!

11 Ó filha, escuta e vê, inclina o ouvido; esquece os teus e a casa de teu pai.

12ab Seja a paixão do Rei tua beleza! Prostra-te diante dele: é o teu Senhor.

16 Conduzindo-a com júbilo e alegria, no palácio do Rei elas penetram.
Segunda Leitura: 1Cor 15,20-26.28

Irmãos: 20 Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram. 21 Porque a morte veio por um homem e a ressurreição dos mortos veio por um homem também. 22 Como todos morreram em Adão, assim reviverão todos em Cristo. 23 Mas cada um na sua ordem: como primícias, Cristo, depois os que são de Cristo, na sua vinda. 24 Em seguida será o fim, quando ele entregar o reino a Deus Pai, depois de ter destruído todo principado, toda dominação e todo poder. 25 Porque é preciso que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo de seus pés. 26 O último inimigo a destruir é a morte. 28 E quando todas as coisas lhe estiverem submetidas, então também o Filho se submeterá àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos.
Evangelho: Lc 1,39-56

39 Naqueles dias, Maria se dirigiu a toda a pressa para a região montanhosa, a uma cidade da Judeia. 40 Entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. 41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou no seio dela e ficou cheia do Espírito Santo. 42 Então, exclamou em voz alta: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu seio! 43 De onde me vem a felicidade de que a mãe do meu Senhor venha me visitar? 44 Logo que ouvi a voz da tua saudação, o menino saltou de alegria em meu seio. 45 Sim, feliz a que acreditou na realização do que lhe foi dito da parte do Senhor!”. 46 Então, Maria disse: “Minha alma engrandece o Senhor, 47 meu espírito alegra-se intensamente em Deus meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade da sua serva. De agora em diante, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, 49 porque o Todo-Poderoso fez em mim grandes coisas. Santo é Seu Nome 50 e Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre os que o temem. 51 Manifestou a força de seu braço, dispersou os homens de coração soberbo. 52 Derrubou os poderosos de seus tronos e elevou os humildes. 53 Deixou os famintos satisfeitos, despediu os ricos de mãos vazias. 54 Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se da sua misericórdia 55 conforme tinha prometido aos nossos pais —para com Abraão e sua descendência, para sempre!”. 56 Maria ficou cerca de três meses com Isabel. Depois voltou para a sua casa.
Leituras: Diretório da Liturgia e da Organização da Igreja no Brasil 2017 - Ano A - São Mateus, Brasília, Edições CNBB, 2016.
Citações bíblicas: Bíblia Mensagem de Deus, São Paulo, Edições Loyola e Editora Santuário, 2016.
Boa Nova para cada dia
MARIA É A IMAGEM DA HUMANIDADE
QUE DEUS DESTINOU À VIDA CELESTE ETERNA
Primeira Leitura:
Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab.
Apareceu no céu um grande sinal:
uma mulher vestida de sol,
tendo a lua debaixo de seus pés
e sobre sua cabeça uma coroa de doze estrelas
(Ap 12,1).
A Liturgia da Palavra desta solenidade nos traz esta passagem do Livro do Apocalipse, difícil para quem o lê com pressa. Vamos lê-la devagar.
Livro do Apocalipse contém visões de São João Evangelista no fim de sua vida, visões cheias de símbolos com base em textos e figuras do Antigo Testamento. Sua leitura é difícil porque nem sempre é possível dizer com certeza a qual passagem do Antigo Testamento São João se refere, nem mesmo se pode definir com segurança a quais fatos de seu tempo ele tem em mente.
A Liturgia cristã, no entanto, aplicou à vida da Igreja a passagem que lemos hoje.
Em meio a sua visão, São João Evangelista diz que viu no céu um Templo. Trata-se de um Templo diferente daquele de Jerusalém, que foi destruído no ano 70 de nossa era. Mas afirma que há um Templo para dizer que nele há uma Arca da Aliança.
Não se trata da Arca feita por Moisés, que desapareceu antes do cativeiro da Babilônia no século VI antes de Cristo.
Esta Arca é interpretada como imagem de Maria, que em seu seio trouxe o Deus Filho à humanidade.
Entendido assim, este trecho do Apocalipse nos leva a entender que a Mãe de Jesus está no céu, no Templo Celeste. O livro do Apocalipse não fala como aconteceu a Assunção de Maria ao céu, mas simplesmente afirma que ela está lá, na figura daquela Arca.
Mais diretamente em relação a Maria está Ap 12,1:
Apareceu no céu um grande sinal:
uma mulher vestida de sol,
tendo a lua debaixo de seus pés
e sobre sua cabeça uma coroa de doze estrelas (Ap 12,1).
O que tudo isto quer dizer?
A liturgia se apoia em passagens do Antigo Testamento para aplicar a Maria o texto de Ap 12,1:
... uma mulher vestida de sol quer dizer que Maria participa da Glória divina dita no Salmo 103(104),1-2: Senhor meu Deus, ... vestido de esplendor e de brilho, revestido de luz como de um manto...
... tendo a lua debaixo de seus pés indica de algum modo superioridade de Maria em relação à lua e sua beleza. Aqui a tradição cristã vê uma referência ao Livro dos Cânticos 6,10, que diz: Quem é esta que tem o olhar da aurora, bela como a lua e brilhante como o sol? É a afirmação de uma condição celestial em que a Mãe de Jesus se encontra agora.
... e sobre sua cabeça uma coroa de doze estrelas: quer dizer que Maria participa de uma autoridade que lhe foi dada como uma coroa, fazendo dela participante da realeza de seu Filho. Esta afirmação de Ap 12,1 pode ser referência ao poder que Jesus tem sobre as doze tribos de Israel sendo entronizado como Messias do Povo Eleito, como diz o Salmo 109(110),1. Em Gn 37,9 José, filho de Jacó, via como  ... o sol, a lua e onze estrelas se prostravam diante de mim.
Em Ap 12,3-4 aparece o dragão que quer devorar o filho da mulher que vai nascer. O dragão é Satanás, que quer destruir a obra salvadora de Deus pelo nascimento de Seu Filho. Satanás não consegue o que pretende. Em Ap 12,9 está dito que foi precipitado à terra com seus anjos.
Ap 12,5 diz que a mulher deu à luz um filho que veio governar as nações com cetro de ferro. É o cumprimento da profecia sobre o Messias, dita no Sl 2,8-9, que diz: Pede-me, e eu te darei as nações por herança e os confins da terra por tua posse. Com cetro de ferro as regerás e as despedaçarás como um vaso de argila. Ora, sendo Maria a Mãe do Messias, participa desta sua realeza para destruir os inimigos de Deus e trazer a salvação à humanidade.
Ap 12,56a diz que à mulher Deus deu um abrigo no deserto a Igreja primitiva cultivou a tradição sobre o sentido deste abrigo de Maria no deserto, entendendo-o como o tempo que a comunidade cristã, representada por Maria, deve esperar pela vinda gloriosa de Jesus no fim dos tempos. O deserto simboliza o tempo de sofrimentos e perseguições pelas quais a Igreja deve passar nesse tempo. Esta imagem é tirada da história de Israel que passou 40 anos no deserto, sendo provado por Deus, como está dito em Ex 24,7-8.
Por fim, a última frase desta Primeira Leitura explica tudo o que foi dito antes: agora realizou-se a salvação, a força e a realeza de nosso Deus, e o poder de Seu Cristo.
O que isto significa?
A salvação é a libertação dos poderes do dragão, Satanás contra a obra de Deus.
A força e a realeza de Seu Cristo significa a entronização de Jesus como Messias no céu, vencendo os poderes do dragão, Satanás.
Ora, o Poder e Realeza do Cristo são profetizados no Salmo 109(110),1, que diz: Disse o Senhor ao meu Senhor: senta-te à minha direita até que eu ponha teus inimigos como escabelo de teus pés. Este é um Salmo messiânico da maior importância para Israel. Jesus o realiza, entronizado à direita de Deus, isto é, participando de todo o poder que Deus tem sobre tudo e todos.
Concluímos nossa leitura entendendo como a Assunção da Mãe de Jesus ao céu é compreendida por meio desta rica simbologia teológica do livro do Apocalipse.
Que estas compreensões nos façam entrar
no mistério da salvação da humanidade realizada por Jesus Cristo,
para que entendamos como Sua Mãe tem parte importante
nesta obra salvadora de Deus.
Meditemos sobre isto e daqui tiremos proveito para nossa oração.
Salmo Responsorial:
Sl 44(45),10bc.11.12ab.16 (R/. 10b).
À vossa direita se encontra a rainha com veste esplendente de ouro de Ofir [
Sl 44(45),10b.
Este é o refrão do Salmo Responsorial.
O que diz?
Imediatamente vemos aqui uma passagem do Antigo Testamento que a Igreja aplica à Mãe de Jesus, de modo semelhante ao que nos foi dito em relação à Primeira Leitura de hoje.
A afirmação mais importante deste Salmo é que esta mulher participa da realeza. No salmo é a esposa do rei de Israel. No caso de Maria, Mãe de Jesus, a realeza lhe é dada como Rainha Mãe, não esposa. A mãe de um rei tinha grande influência sobre ele. Neste sentido podemos ver aqui o papel de Maria como nossa intercessora junto a seu Filho. Seu Filho, por decisão de Deus tem o poder de realeza, como nos diz a profecia do Salmo 109(110),1, já considerado acima na Primeira Leitura.
À imagem de Maria que é elevada ao céu, o Salmo Responsorial acrescenta a imagem de Rainha Mãe.
Pensemos no que isto significa. Quanto poder é dado à Mãe de Jesus para nosso bem. Lembremos-nos disto quando rezamos a Salve Rainha.
Segunda Leitura:
1Cor 15,20-27a.
Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão
(1Cor 15,22).
Esta passagem de 1Cor foi escrita por São Paulo para explicar a ressurreição de Jesus e de todos os que nele crerem e forem batizados.
Para entendermos esta leitura nesta solenidade da Assunção de Maria, devemos considerar como elevada ao céu a ela é dado participar de uma Vida Divina que somente o Filho de Deus Ressuscitado tem.
A Assunção de Maria, portanto, é a solenidade em que a Liturgia nos leva a considerar a Vida Divina dada a participar a Maria. Ela é a figura que todos teremos no futuro, como seres humanos, de participação na Vida Divina de Jesus Cristo.
Jesus foi o primeiro homem na história da humanidade a ressuscitar dos mortos.
Não como ressuscitou Lázaro, que morreu novamente.
Jesus Cristo ressuscitou com Vida Divina, e por isso não morre mais. É o que São Paulo diz em Rm 6,9: tendo Cristo ressuscitado dentre os mortos, já não morre mais; a morte já não tem poder sobre Ele.
Embora São Paulo não fale da Mãe de Jesus em suas epístolas, depois dele a comunidade cristã entendeu que ela foi elevada ao céu como o seu Filho.
A tradição antiga fala não da morte de Maria, mas de sua “dormição”.
Sua morte seria somente aparente, porque ela teria apenas dormido para ser despertada por Deus e elevada ao céu. Assim entendemos como Maria não ressuscitou, pois somente quem morre ressuscita.
Como nos Evangelhos nada nos é dito sobre a “dormição” de Maria, permanecemos diante do mistério. Teologicamente é uma questão aberta.
Quando o Papa Pio XII definiu o dogma da Assunção de Maria em 1950, não entrou em detalhes sobre a morte, dormição e Assunção de Maria.
Consideremos, portanto, por meio desta Segunda Leitura, a Assunção da Mãe de Jesus juntamente com sua participação na Vida Divina de seu Filho no céu.
Evangelho: Lc 1,39-56.
... todas as gerações me proclamarão bem-aventurada ...
(Lc 1,48).
Esta frase do Evangelho de hoje diz, em poucas palavras, o sentimento que Maria teve ao reconhecer-se agraciada por Deus para ser Sua Mãe.
Nesta frase ela revela seu íntimo, sua consideração sobre si mesma, na grande alegria de ver-se privilegiada, ao mesmo tempo profundamente humilde como ela mesma reconhece (Lc 1,48: porque olhou para a humildade de sua serva).
A consciência de ser uma pessoa única no mundo está clara quando ela diz: ... todas as gerações me proclamarão bem-aventurada ... (Lc 1,48).
No entanto, em sua humildade, reconhece que tudo lhe vem de Deus.
Ao mesmo tempo, como Mãe do Salvador prometido a Israel, entende-se como a única mulher escolhida no meio do Povo Eleito para que nela se cumprisse tudo o que Deus prometera aos Patriarcas, a partir de Abraão (Lc 1,55).
Esta consciência que Maria demonstra, em seu canto do Magnificat, de ser uma mulher privilegiada em Israel, revela-nos como ela se via fazer parte do plano salvador do Deus de Israel, conforme o anjo lhe dissera:
... conceberás e darás à luz um filho,
a quem chamarás pelo nome de Jesus.
Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo;
Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai;
Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó,
e o seu reinado não terá fim
(Lc 1,31-33).
Elevada ao céu, a Maria reina para sempre ao lado de seu Filho, o Filho de Deus.
As duas leituras desta Liturgia e o Salmo Responsorial nos forneceram suficientes explicações para entendermos este Evangelho. Vamos recordá-las, meditá-las e tirar proveito para nossa instrução teológica e espiritual.
Pensemos ainda, em nossa condição humana como a da Mãe de Jesus.
Ela é a participação humana, a parcela da humanidade, que Deus escolheu para, com ela, e não sem ela, realizar a completa obra de Salvação de todos nós. Isto porque foi de Maria que nasceu em corpo humano o Filho Encarnado de Deus.
Se o Filho de Deus é homem como nós por meio de Maria, Deus nos concede participar da natureza divina Dele e de Seu Filho. Isto é o que significa sermos filhos adotivos de Deus pelo Batismo.
Continuamos seres humanos nesta vida e na celeste. Mas participamos da natureza divina só à humanidade concedida. De fato, os anjos não chegam a este nível em sua natureza angélica. Mas nós, mesmo em nossa natureza humana, como a da Mãe de Jesus, merecemos, por meio Dele, a participação na natureza divina. É assim que nosso destino último é o céu, com Deus para sempre, tal como agora está a Mãe de Jesus.
É deste modo que nos inteiramos do pensamento principal da Liturgia da Palavra desta solenidade da Assunção de Maria:
MARIA É A IMAGEM DA HUMANIDADE QUE DEUS DESTINOU À VIDA CELESTE E ETERNA.

Autor: Pe. Valdir Marques, SJ, Doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Descobrindo a Bíblia
Magnificat!
O Magnificat (Lc 1,39-56), o “cântico de Maria”, é objeto das interpretações mais diversas. Para alguns, é expressão de submissa humildade: “Olhou para a humildade de sua serva”. Para outros, é quase um canto de guerra: “Derrubou os poderosos de seus tronos”. Ou um programa social: “Saciou os famintos”. Bastem essas opiniões para sugerir que o texto contém enorme riqueza, capaz de alimentar interpretações tão diversas. Vejamos, portanto, de perto.
No início de sua gestação de Jesus, Maria vai visitar sua prima Isabel (ou Elisabete, como seria mais certo dizer, nome da esposa do sacerdote Aarão). Isabel porta João Batista no ventre, já no sexto mês. Quando as duas futuras mães se encontram, João, por um pulo dentro do útero, dá as boas-vindas a Jesus no ventre de sua mãe... Isabel felicita Maria porque ela deu crédito a Deus: o que Deus prometeu vai se cumprir nela (1,45). Então Maria, reunindo frases dos salmos e cânticos do Antigo Testamento, proclama seu júbilo.
“Minh’alma exalta o Senhor e meu espírito exulta por causa de Deus, meu salvador” (alma e espírito significam praticamente a mesma coisa: a pessoa). Nesta frase ressoam todas as alegrias do povo de Deus, desde a libertação da escravidão do Egito (Ex 15,1-2) e a vocação profética de Samuel (o cântico de Ana, 1 Sm 2,1-10) até a salvação do exílio e a restauração final do povo e de Sião (Is 61,10). Maria não é só Maria de Nazaré, ela é Maria de Israel, e, na medida em que nela se cumprem as promessas feitas a Israel para a humanidade, Maria de Todos os Povos.
Deus olhou para sua humilde serva (v. 48). As palavras têm sua história. Os “humildes” eram os que não tinham poder, mas que tinham o coração firme em Deus, os “curvados” pela opressão, mas que pertencem a Deus, os “pobres de Deus” (os anawim). Eles são servos — talvez até escravos ou peões eternamente endividados com o patrão, como os conhecemos no Brasil —, mas têm consciência de que, no fundo, seu único Senhor é Deus. Por isso Maria se declara “serva” de Deus, assim como o rei Davi foi servo de Deus. Estranha combinação de humilde estado social e grandeza aos olhos do Senhor. (Que Maria é materialmente pobre aparece em Lc 2,24, onde ela oferece a dádiva dos pobres.).
Maria torna suas as palavras do Salmo 103,17, que lembram a autoproclamação do Deus da Aliança como um Deus cuja misericórdia dura “mil gerações” (Ex 34,6-7), para depois interpretar a situação que nela se realiza como a intervenção de Deus contra os potentados orgulhosos: Deus derruba os podersos, ao passo que eleva os “humildes”, os sem-poder. Também nisso se recorda a história das opressões e libertações do povo de Israel, como garantia de uma salvação mais universal que aparece no horizonte. “Ele cobriu de bens os famintos, e aos ricos despediu de mãos vazias” (v. 53). É a “inversão escatológica”. Escatológico é o que diz respeito ao tempo do fim, a situação definitiva da história sob o juízo de Deus. Nesse tempo do fim, os pobres serão finalmente saciados; e os ricos, nunca satisfeitos, já não poderão sobrepujar os humildes: ficarão de mãos vazias. Não haverá mais nem rico nem pobre. É um ideal que sempre esteve presente na visão dos profetas (cf. Dt 15,1-11). Paulo o projeta na comunidade cristã (Gl 3,28). Não há dúvida de que, na nova realidade em gestação em Maria — o Cristo que se torna “corpo” na comunidade da Igreja —, todos são vistos como irmãos. Ora, na mente do povo de Israel (e de todos os povos que não conhecem a neurose da capitalização individual), é inadmissível que, sem culpa de sua parte, alguém fique pobre enquanto seu irmão é rico. A “inversão escatológica” não é outra coisa que a realização do amor fraterno que Deus quer desde o início.
Nas palavras finais, o Magnificat exalta o socorro de Deus a Israel, seu povo, e o cumprimento das promessas feitas a Abraão e a sua descendência — o povo de Israel.
Vemos assim que o Magnificat é “israelita”, “subversivo” e “escatológico”. Não canta apenas a maravilha pessoal de Maria, mas a chegada de um novo tempo em que a Aliança de Israel é levada à plenitude na comunidade nova, que vai se alastrar pelo mundo inteiro para ser o povo do Deus, que é graça e fidelidade para milhares de gerações.
Artigo extraído do livro Descobrir a Bíblia a partir da Liturgia, Pe. Johan Konings, Loyola, 1997.

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